HUMBERTO MENEGHIN
YV – A Anne Sobotta que conhecemos é de origem
Franco-Polonesa, estudou Arquitetura e foi na França, em 93, que iniciou a
prática de Yoga, mais especificamente no “Centre” Sivananda de Paris. Depois,
na Inglaterra, também teve a oportunidade de se aperfeiçoar em Hatha Yoga,
Vinyasa e Yin & Yang Yoga, com Simone Low e ainda Ashtanga Yoga com Cathy
Louise Broda. Nesta época já lhe surgia a ideia de que você se tornaria
professora especializada em Yoga Pré -Natal? Quem ou o que a atraiu a seguir
por esse caminho? Você mudaria alguma coisa durante o trajeto ou faria tudo de
novo, do mesmo jeito? A arquiteta continua na ativa ou deu lugar à Yogini
professora de Yoga Pré-Natal?
ANNE –
Na época não tinha a menor ideia, rsrs! Era apenas praticante entusiasta
de Yoga, que me fazia muito bem, tanto para meu corpo (sofria de escoliose
desde a infância, o Yoga que me deu os meios para parar com a dor), como para
minha cabeça sempre “a mil”. Comecei a dar aulas bem depois, quando uma
professora com quem praticava gostou da minha prática e me pediu para dar aulas
no estúdio dela. Aceitei o desafio e deu certo. A especialização veio uns anos
depois, através da minha própria gravidez. Costumo dizer que fui minha primeira
aluna! Grávida, precisava mudar minha prática. Na época tinha muito menos
pessoas trabalhando com Yoga Pré-Natal no Brasil que hoje e não tinha ninguém
na cidade onde morava.
Tive a sorte de encontrar a instrutora
norte-americana Karen Prior do Mamaste Yoga através de um grupo virtual de
professores de Yoga do qual participava e acabei fazendo uma formação com ela,
iniciada durante minha própria gravidez. Foi ótimo. Obviamente a primeira coisa
que me motivou para seguir nesse caminho foi minha experiência pessoal, mas
logo descobri um novo mundo, aquele que nos chamamos de “humanização do parto e
nascimento” (mais adiante vamos falar mais disso!) e isso foi realmente uma
grande revelação. De repente, aos 36 anos, minha vida e, claro, minha prática
de Yoga, começaram a fazer realmente sentido e eu mergulhei nesse mundo do qual
nunca mais quero sair.
Quanto ao trajeto, não sei dizer se mudaria alguma
coisa, pois costumava pensar que as coisas sempre acontecem da forma e na hora
que elas devem acontecer. Não paro muito para me questionar sobre minhas
escolhas pois procuro aprender logo com suas consequências. Então, sim, faria
tudo de novo, e desde 2010 posso dizer com o maior orgulho que sou yogini
professora de Yoga Pré- e Pós-natal e militante ativa do parto humanizado a
tempo inteiro! A Arquitetura já está longe...
YV – Você participou da formação em Yoga para Parto Ativo
com Janet Balaskas e, além disso, é a única professora no Brasil formada em
Yoga Pré-Natal pelo Sistema Mamaste (USA). No que consiste este Sistema? O que
o diferencia do Hatha Yoga Tradicional para Grávidas que de certa forma ainda é
seguido no Brasil? E, quais são os princípios essenciais adotados pelo Yoga
para Gestantes?
ANNE –
Bem isso é uma pergunta complexa e creio que não tenho todos os elementos
necessários para responder, sendo que por ser estrangeira não conheço muito bem
o universo do Yoga no Brasil. Minha visão é, portanto, parcial em todos os
sentidos. Mas, diria que tem uma certa diferença sim. Apesar do Yoga para
Gestantes estar em franca expansão no Brasil, pipocando de aulas, cursos e
professores, vejo que é algo ainda um tanto frágil.
No que diz respeito aos professores, estamos vendo
surgir muitas mulheres com um entusiasmo genuíno para o tema, entusiasmo
geralmente despertado pelas suas experiências de parto, muitas doulas, porém
com pouca experiência como yogis e um tanto inseguras nos seus ensinamentos
devido a ausência de cursos de formações extensivos.
Quanto aos instrutores de Yoga já trabalhando com
gestantes ou se despertando para esse “público”, a grande maioria não tiveram a
oportunidade de se inteirar dessa dimensão da busca por um nascimento
respeitoso e de tudo que isso implica no contexto de hoje; algo que para mim
faz parte intrínseca do trabalho de yoga com mulheres grávidas. Obviamente e
felizmente tem exceções, mais isso é grosso modo, o panorama.
Então, o que imagino que você chama de Hatha Yoga
Tradicional para Grávida, talvez esteja um pouco engessado? Já que estamos
falando de linhas de Yoga, tenho a impressão - e posso estar errada - que temos
uma divisão entre: Esse Hatha Yoga Tradicional, como você diz, com mais enfoque
na dimensão esotérica, práticas leves com posturas tradicionais adaptadas para
que a gestante possa as praticar com segurança porém se afastando o mínimo
possível da postura original e com pouco interesse para a anatomia e a
fisiologia. Do outro, temos uma linha de professores mais influenciados pelo Ashtanga
Yoga que buscam uma prática mais vigorosa, a gestante super mulher, linda e
poderosa.
Não que tivesse nada errado com essas linhas, mas
pessoalmente me sinto mais próxima da abordagem da Janet Balaskas e do Mamaste
da Karen. A Janet tem um trabalho
pioneiro. Na Inglaterra dos anos 1980s, ela recolocou a mulher na sua posição
de protagonista principal do evento do nascimento, e o Yoga foi um grande
aliado para ela. Janet soube conciliar um contexto social com os princípios
chaves do Hatha Yoga e assim mudou a vida de milhares, se não for milhões de
mulheres. É admirável. Em termos mais “técnicos”, vale lembrar que a Janet cita
como principal influência yogica a Vanda Scaravelli, que dizia: “Temos três
amigos: a gravidade, a respiração, e a onda (conectada com o movimento flexível
de extensão ao longo da coluna). Estas 3 companhias (fusionadas em uma) devem
estar conosco constantemente”. Ou seja, ela fala de três princípios posturais
chaves: o grounding, a extensão da coluna e a respiração.
A Karen Prior, mas jovem, bebe na mesma fonte.
Então para mim – e creio para minhas Mestres – a prática do Yoga na gestação é
um momento onde viramos nosso olhar para dentro, buscando uma conexão maior. As
posturas não são “limitadas” para a gestante poder as praticar da forma mais
próxima ao modelo original. Pelo contrário: as posturas clássicas são entendidas
na sua essência, para serem ensinadas e modificadas o tanto que precisar (e com
muitas variações) para que a gestante possa desfrutar de todos seus benefícios,
praticando sempre com prazer e segurança.
Tem um grande foco na consciência postural, na
percepção da própria anatomia e fisiologia, na importância do fluir (tanto o
movimento como a consciência) e do sentir. A resistência e a força são
contempladas também. O pranayama visa a ajudar a gestante nas fases da
gestação (desconfortos tanto físicos como emocionais) e a equipá-la com
recursos para lidar com a intensidade do trabalho de parto e parto.
Devido ao curto tempo que as gestantes têm para
desenvolver a prática (alguns meses, nove no máximo!), períodos de concentração
e meditação são integrados a alguns momentos específicos da aula ou ao
relaxamento. É de uma grande riqueza pois o “casamento” dos ensinamentos do
Yoga com saberes vindos de outras áreas nos permite aliviar ou remediar vários
problemas que podem aparecer na gestação: desde as clássicas dores nas costas
até virar um bebê mal posicionado.
Uma outra peculiaridade dessa abordagem do Yoga
para gestantes é a importância da conversa, da partilha. A/o instrutor (a)
precisa ser disponível e informada/o, pois isso é um recurso que faz uma
diferencia fundamental para as mulheres grávidas. O que vejo como princípios
essenciais do Yoga para gestantes vem dessas influências e são para mim, antes
de tudo, princípios éticos. São: Respeito ao corpo de cada mulher durante a
gestação e o parto. Respeito ao bebê durante o nascimento. Yamas: Ahimsa
(não violência), Satya (veracidade). Parece simples, mas não é!
A grande maioria das mulheres brasileiras não são
respeitadas durante esse momento fundamental, tem até um novo termo para isso:
violência obstétrica (estudos recentes comprovam que 25% das mulheres
brasileiras sofreram alguma forma de violência obstétrica. Mas com certeza o
número real é bem maior que o número comprovado). Quanto aos bebês, ainda não
tem terminologia para isso... eu diria que eles sofrem de violência neonatal...
Então, nós com nossa ferramenta que é o Yoga, temos o maravilhoso “poder” de
ajudar essas mulheres a ir em busca desse respeito, que começa pelo respeito
por elas mesmas (o Yoga é fabuloso para isso) e que se estende a uma
consciência mais ampla e uma capacidade de se colocar frente ao mundo.
Eu piso firme, eu cresço ao longo da minha espinha
dorsal que me sustenta, eu e meu bebê, meu corpo e minha alma em expansão, e eu
sou soberana, protagonista da minha vida e em plena consciência e paz de
espírito frente a todos os desafios.
YV – Você acha que as grávidas brasileiras têm ciência
dos benefícios proporcionados pelo Yoga Pré-Natal? – Por favor, cite alguns
desses benefícios para quem não os conhece. Ou, ainda persiste o receio de
certas mulheres em praticar durante a gestação? Será que a tendência agora no
Brasil é que ocorra um aumento na procura da prática de Yoga direcionada a
Gestantes tudo porque uma grávida famosa como Kate Middleton, esposa do Príncipe
Wiliam da Inglaterra, praticou durante a gravidez?
ANNE –
A consciência dos benefícios do Yoga para Gestantes aumenta cada vez mais, sim,
porém temos que ter a honestidade e humildade de lembrar que ainda estamos
falando de uma minoria de Brasileiras.
Cito como benefícios principais:
– Preparação física e mental para o parto e chegada do
bebê;
– Alivio e prevenção das dores, desconfortos e
indisposições da gravidez;
– Melhora da circulação sanguínea, amenizando
inchaços, cãibras e varizes;
– Ampliação da respiração materna, oxigenando melhor a
mãe e o bebê;
– Fortalecimento do assoalho pélvico e preparação do
períneo para o parto;
– Pelve mais equilibrada e aberta, favorecendo o bom
posicionamento do bebê;
– Prevenção e correção da má posição do bebê para o
nascimento;
– Recuperação pós-parto mais rápida;
– Melhor tônus muscular;
– Redução da ansiedade;
– Melhor equilíbrio físico-mental-emocional;
– Empoderamento feminino e materno;
– Criação de um ambiente calmo e seguro para gestação;
– Favorecimento do vinculo mãe – bebê;
– Partilha com outras gestantes.
Obviamente as celebridades ajudam a divulgar essa
prática. Houve o efeito Gisele, não sei se o efeito Kate será tão forte também!
Mas é certo que cada vez que o tema é abordado numa mídia de grande audiência,
a repercussão na procura é imediata.
Porém, acho que o que mais contribua para a
divulgação do Yoga para gestantes são as redes sociais. Mulheres conversando em
grupos, comunidades, o novo boca à boca.
YV – A partir de que momento a
grávida pode começar a praticar Yoga Pré-Natal? Quais são os cuidados
necessários que a professora ou professor de Yoga especializado em ministrar
aulas de Yoga para Gestantes deve observar para que tudo corra bem tanto para a
futura mamãe que pratica e o bebê que está em formação no ventre materno? Os exames e atestados são vistos e analisados? Existe
alguma restrição, ou seja: essa grávida não pode praticar de jeito nenhum? Você
acha que o (a)s médico (a)s ginecologistas brasileiros são a favor da prática
de Yoga para Gestantes? Ou, ainda existe uma certa desinformação e preconceito
por parte de alguns deles?
ANNE –
A mulher grávida pode praticar durante a gestação inteira, desde que descobre a
gravidez até a hora do parto, ao contrário do que se acredita - que só pode
começar a partir do 2° trimestre. Porém, e esse porém é importante, deve
praticar com instrutor experiente que saiba adequar a prática às fases da
gestação (sendo que o 1° trimestre é um momento mais delicado, durante o qual o
feto se implanta no útero) e às condições específicas de cada gestante. Em
certos casos, a prática não é indicada, porém isso é menos frequente do que se
acredita. Aquele mito que a gestante tem que ficar de repouso, de cama, ao
sinal de qualquer complicaçãozinha finalmente está caindo, graça a diversos
estudos que foram publicados esses últimos anos no American Journal of
Obstetrics & Gynecology.
Atividades moderadas e adaptadas são geralmente
mais beneficiais para ela. Então diria que quase não tem contraindicação
absoluta à prática. O que temos são restrições para certo tipo de problemas.
Por exemplo, gestantes com placenta prévia podem fazer apenas posturas
restaurativas, mulheres com cerclagem cervical devem evitar certas posturas
(ex. balásana e suas variações), mulheres com pressão alta devem também
fazer uma prática adaptada, etc.
Sempre deixo claro para minhas alunas que existem
algumas contraindicações absolutas que podem se manifestar no decorrer da
gestação e que elas devem me avisar caso houver qualquer alteração no estado de
saúde delas. Dentre dos sintomas que pedem uma interrupção imediata da
prática, temos: sangramento ou corrimento vaginal, febre, contrações
regulares do útero, atividade fetal
reduzida, edema súbito, ardor ao urinar, entre outros. Existe também restrições
relativas, que pedem uma adaptação à prática ou uma interrupção temporária. Nos
meus cursos analisamos essas restrições em detalhes.
Costumo fazer uma anamnese bem detalhada de cada
nova gestante ingressando numa aula. Estabelece-se um tipo de contrato de
confiança, onde fica claro que a gestante tem que me informar se houver
alteração de saúde, como disse acima. Mas acho que seria um abuso de poder –
até perigoso – exigir que a/o professor/a de Yoga analise os exames medicais.
Nos não temos os conhecimentos necessários para isso (a menos de ser também
obstetriz ou obstetra!). Por isso que é muito importante que as/os
instrutoras/es de Yoga para gestantes trabalhem em rede com outros
profissionais da gestação e parto. Isso é fundamental. Obstetrizes, doulas,
parteiras, obstetras, educadoras perinatais, fisioterapeutas, terapeutas
diversos...
Primeiro porque isso vai ampliar os conhecimentos
da/o profissional de yoga e a/o ajudar muito no seu trabalho com gestantes.
Segundo porque essa rede pode ser mobilizada a qualquer hora para esclarecer
dúvidas, pedir informações específicas, enfim, oferecer diversos tipos de apoio
à gestante.
Exemplo:
uma gestante com 35 semanas de gestação chega com ultrasom
mostrando seu bebê na posição sentada e o veredicto do seu obstetra dizendo que
devido à posição vai ter que ser uma cesárea, não tem jeito, e que deveria até
parar de praticar Yoga para não correr o risco do bebê se encaixar e assim
“provocar” um parto prematuro nessa posição... A/o instrutor/a informada/o
pode:
1° confortar e acalmar a gestante (apoio emocional);
2° explicar que a prática de Yoga não apresenta risco do
bebê descer antes da hora, já que a prática será adaptada para ela, evitando
por exemplo posturas que provocam uma forte abertura da pelve;
3° ajudar a gestante com práticas específicas que vão
ajudar o bebê a virar na posição cefálica;
4° indicar outros profissionais da sua rede, como
acupunturista experiente que pode usar moxabustão também para ajudar o bebê a
virar;
5° recorrer a sua rede ou utilizar as informações que já
tem para mostrar à gestante que a Medicina Baseada em Evidências (MBE) comprove
que apresentação pélvica não é uma indicação absoluta de cesariana e recomenda
esperar o trabalho de parto;
6° sugerir à gestante pedir segunda opinião e procurar
informações confiáveis (indicar fontes) e, se haver essa opção na sua cidade,
indicar para ela obstetras ou obstetrizes que saibam atender parto pélvico
(bebê sentado) ou que, pelo menos, não indicam cesárea logo de cara...
Então, nosso papel é bem amplo! Precisamos ter a
consciência e a humildade para não nos atribuir poderes e conhecimentos que não
temos – infelizmente isso acontece e acho isso irresponsável e perigoso – porém
saber enxergar a complexidade do contexto e entender como cada gestante se
insira nele, para poder apoiá-la física, mental e emocionalmente. É sutil e
fascinante!
Creio que boa parte dos GOs
(Ginecologistas-Obstetras) brasileiros estão bastante desinformados a respeito
do yoga na gestação. Minha impressão é que a maioria deles estão favoráveis à
pratica, mas como se fosse uma atividade qualquer que “faça bem”, colocando
Yoga, pilates, hidroterapia ou sei lá o quê tudo no mesmo nível. A maior parte
indicam Yoga apenas quando a gestante pergunta: “Doutor, que atividade posso
fazer?” e pensam que vai ser bom para deixar a gestante mais disposta
fisicamente e mais “calminha”, menos ansiosa, só isso.
Muito poucos entendem das implicações muito mais
amplas que o Yoga pode ter na gestação e no parto: a conexão com seu eu
profundo e com a presença do bebê (sentido em todas as dimensões, em vez de ser
apenas “visto” em ultrasom para finalmente existir...); a nova percepção do seu
corpo e das suas emoções que a gestante desenvolve e como isso vai ser uma ajuda
incomparável na gestação-parto-maternidade; a importância do grupo no qual ela
vai ser inserida (trocas e influencias) e da rede que mencionei acima, como
fontes de informações a apoio.
YV – A mulher não fica grávida sozinha, alguns casais até
dizem “estamos grávidos”, ou seja, quase sempre há uma grande cumplicidade,
compartilhamento, responsabilidade e amor entre o casal. O tipo de
comportamento que o marido/companheiro e futuro pai adota em relação à mulher
que está grávida pode influenciar tanto de forma positiva quanto negativa
durante o momento da gestação e até o nascimento do bebê? Será que para alguns
pais que são impacientes, nervosos e estressados por conta da gravidez da
mulher, a prática do Hatha Yoga em si também pode ajudá-los a entender de uma
forma consciente o momento por que o casal passa?
ANNE –
O nascimento de um filho traz grandes mudanças no casal, as transformações são
inevitáveis. Mas o pai vive emoções e preocupações diferentes das da mãe. Às
vezes a comunicação e a compreensão entre os dois parceiros flui lindamente, às
vezes não. Pequenos desacordos ou incompreensão não são raros. E é claro que
isso pesa muito no estado emocional da futura mãe. Por isso, todas as
oportunidades para aproximar o casal nesse momento são valiosas.
Como diz um amigo meu, hoje pai de “3ª viagem”,
falando do primeiro filho, “e eu que achava que compartilhar a gestação com
minha mulher era apenas passar óleo de amêndoa na barriga dela...”. Geralmente
o que vejo ser mais eficiente são experiências que traz uma certa imersão, como
por exemplo workshop de preparação ao parto (não os cursos dos
hospitais, mas oficinas promovidas por educadoras perinatais ou doulas),
participação do casal em grupos de apoio, ou prática de Yoga em conjunto. Não é
algo incomum ter casais pedindo para fazer aulas juntos. Acho maravilhoso,
porém me parece que o ideal é ter momentos juntos e momentos apenas entre
mulheres.
Da mesma forma que a futura mãe tem a possibilidade
de encontrar-se durante as aulas de Yoga pré-natal, o futuro pai que procura
praticar Yoga, mesmo sem que seja com sua mulher, com certeza irá se beneficiar
muito desse momento reflexivo e de autocuidado. Porém preciso enfatizar a
importância do trabalho em conjunto.
YV –Muitos sabem que você é defensora ativa da
humanização do parto e do nascimento. Algumas pessoas inclusive mulheres
grávidas não tem a mínima ideia do que seja isso. Para os leigos e para aqueles
que alimentam um conceito equivocado sobre esse assunto, o que é parto
humanizado e qual é a finalidade?
ANNE – O que hoje chamamos de parto humanizado é
simplesmente um parto no qual o binôme mãe-bebê são respeitados.
Respeitados porque o tempo de cada um deles é
respeitado: tempo do bebê
sinalizar que ele está pronto para nascer, tempo que a mulher precisa para
parir, tempo do bebê para mamar.
Respeitados nos seus direitos: direitos de dar à luz e de nascer sem violência,
seja física, verbal ou psicológica.
Respeitados nos seus direitos de escolha: local de parto, equipe, acompanhantes, decisões
durante a gestação e o parto (a equipe médica informa, não manda).
Respeitados no protagonismo: a mulher como protagonista central do parto,
soberana nas suas escolhas, mestre dos seus movimentos, das suas emoções, dos
seus gritos.
Respeitados porque nenhuma intervenção que não seja
estritamente necessária é feita neles, nem na mãe, nem no bebê. Não se faz intervenção porque é de rotina, é de
praxe, ou porque o médico “acha” que é melhor. Se faz apenas intervenções ditas
necessárias quando seus riscos são menores do que os riscos de não fazê-las, e
sempre seguindo as melhores evidências científicas e as recomendações da
Organização Mundial da Saúde.
Ou seja, o parto humanizado não é baixar a luz
durante a cesárea e ter um médico “muito fofo”... Também não é uma coisa
de hippies ou de “naturebas sem noção”...
Resumindo, como diz perfeitamente a obstetriz Ana
Cristina Duarte: “No mundo inteiro; no entanto, o que está se discutindo é: “o
atendimento centrado na mulher”. Isso
deveria ser o correto significado de parto humanizado. Se a mulher vai escolher
dar à luz de cócoras ou na água, quanto tempo ela vai querer ficar com o bebê
no colo após seu nascimento, quem vai estar em sua companhia, se ela vai querer
se alimentar e beber líquidos, todas essas decisões deverão ser tomadas por
ela, protagonista de seu próprio parto e dona de seu corpo. São as decisões
informadas e baseadas em evidências científicas.” *
É importante entender que isso é uma questão de
ética - voltando a mencionar os dois primeiros Yamas: Ahimsa (não
violência) e Satya (veracidade) – e de civilização. Nós aqui no
Brasil, campeão mundial do nascimento por operação cirúrgica, a cesariana, mas
também em outros países onde as taxas de cesárea e de parto induzido por
hormônio sintético são muito maiores que o recomendado pela OMS, precisamos nos
perguntar quais vão ser as consequências disso? Que tipo de seres humanos, que
tipo de civilização estamos criando?
Nós que tiramos do bebê tudo que ele precisava
receber ao nascer: um cocktail de hormônios naturais que só é
transmitindo durante o parto, o colo e o seio da sua mãe no momento no qual
deveria se fazer o “inprint” que ira marcar toda sua vida, sua
intimidade, sua dignidade. No lugar disso: violência. Extraímos dos ventres das
suas mães, bebês que não estavam prontos para nascer, os perfuramos e
penetramos por todos seus orifícios, os esfregamos até tirar todo seu vernix
protetor, os separamos por horas das suas mães. Pergunto: para onde estamos
caminhando?
YV – Será que o procedimento adotado pelas parteiras
proporciona mais segurança à parturiente do que o dos médicos quando o
nascimento é de baixo risco? E, em
relação ao parto domiciliar ou feito nas casas das parteiras: ele pode ser
considerado tão seguro quanto os que são realizados nos hospitais e
maternidades ou na verdade existem algumas restrições? Onde a Doula entra nisso
tudo?
ANNE –
Aqui temos uma questão de terminologia muito importante, agradeço a
oportunidade de poder a esclarecer, pois tem muita confusão a respeito desses
papeis respectivos. Primeiramente precisamos contextualizar e lembrar que a
vasta maioria dos partos acontecem sem intercorrência. Portanto, não se precisa
fazer intervenção NENHUMA durante esses partos. Numerosos estudos da MBE nos
mostram que os melhores desfechos são alcançados (tanto em termos de morbidade
e mortalidade maternas e neonatais quanto em termos de satisfação) quando não
são realizadas intervenções desnecessárias (como episiotomia, exames de toque
abusivos, monitoração fetal continua, soro com ocitocina sintética, manobras
diversas e outras intervenções) e com a presença de uma equipe qualificada para
prestar assistência médica ao binôme mãe-bebê. Então, quem é essa equipe, e
como fica a questão do local do parto?
O médico obstetra (GO) é formado para atender às
patologias que podem acontecer durante o parto. Portanto, e lembrando que a
grande maioria dos partos tem ótimos desfechos sem intercorrencias, na verdade
não seria necessária a presença de um obstetra durante o parto. Ele precisa
apenas ser acessível com uma certa rapidez caso for necessário, como o
recomenda a própria Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso é muito importante
em termos de saúde pública, em particular no Brasil, onde o modelo de assistência
obstétrica é totalmente obsoleta e resulta em superlotação das maternidades e
números casos de negligencias e erros medicais graves.
As enfermeiras obstétricas (EO) são formadas para
atender partos e elas fazem isso muito bem. Em muitos países dito do “primeiro
mundo”, as parturientes são atendidas apenas por EOs, com o maior êxito. Hoje
estamos vendo algo muito interessante acontecer, que é o crescimento do número
de obstetrizes (também chamadas de parteiras urbanas). Por enquanto existe
apenas uma formação na USP, em São Paulo. Digamos que a obstetriz é a parteira
moderna, capacitada para atender partos e embasada nas evidências cientificas
da MBE.
Do outro lado, as parteiras tradicionais são, como
o nome indica, mulheres que aprenderam com suas mães ou avôs, um modelo
tradicional de atendimento ao parto. Geralmente elas não tem uma formação
formal e são a única opção para mulheres em comunidades remotas. São mulheres
que conservam vivas tradições muito valiosas, porém como toda tradição alguns
aspectos são criticáveis à luz da ciência, por isso que não se pode
confundir o trabalho das parteiras urbanas daquele das parteiras tradicionais.
Então, já estamos vendo que temos uma bela
variedade de profissionais capacitados para atender partos! O que nos diz tanto
a OMS** os estudos
randomizados da Medicina Baseada em Evidências (MBE) é que em termos de
segurança, considerando gravidez de baixo risco, parto em casa (com assistência
habilitada) é tão seguro que parto em casa de parto ou no hospital. Isso é um fato
comprovado, apesar de tudo que pode ter sido dito contra.
No caso do parto domiciliar, apenas recomenda-se
que ele seja realizado numa distância razoável de um centro de referência, caso
se precisar fazer transferência. Entende-se que a escolha do local do parto
como da equipe é uma prerrogativa da mulher. O melhor local de parto é onde a
mulher se sente SEGURA. Para algumas, é na sua casa, assistida por
obstetriz, obstetra, enfermeira obstétrica ou parteira; para outras, num centro
de parto normal (que estão agora se multiplicando no país através do programa
federal da Rede Cegonha), atendida por enfermeira obstétrica; e para outras
numa maternidade pública ou particular, atendida pela equipe de plantão ou pelo
obstetra da sua escolha.
Alguns fatores de riscos contraindicam a escolha do
parto domiciliar ou em casa de parto e a gestante precisa ser bem informada a
respeito. A lista seria longa e
muitas vezes um risco é relativo e não pode ser analisado como um fator
isolado, mas dentro dos mais comuns podemos citar: prematuridade (menos de 37
semanas), hipertensão, pré-eclâmpsia, bebê atravessado, placenta prévia, entre
outros.
Hoje em dia, tanto no Brasil como em outros países, cada
vez mais mulheres escolhem ter seus filhos em casa, creio por dois motivos
principais: a consciência que o ambiente familiar e intimo é o local mais
acolhedor e seguro (salvo complicações conforme mencionado acima) para ter seus
filhos, desde que esteja acompanhada por uma equipe qualificada e respeitosa,
que saiba intervir o menos possível.
O segundo motivo sendo a crescente insatisfação com
o modelo hospitalar vigente, seja no âmbito do SUS ou da rede particular;
realmente estamos assistindo a um show de horrores, erros crassos,
prepotência, interesses mercantis do mais baixo nível, ignorância técnica e
científica. Quem paga o preço são as mulheres e seus filhos. É revoltante.
Nesse cenário, a doula tem um papel muito bonito. A
doula é a mulher que apoia, que “serve”, no sentido mais nobre do termo. A
doula vem preencher o papel que era antigamente do circulo familiar das
mulheres que ficavam prestando ajuda a gestante durante o parto – seja fazendo
comida, seja segurando a mão, rezando, confortando, cuidando dos outros filhos,
passando água no rosto, esquentando panos para o bebê – um apoio incondicional
e empático. A grande maioria das doulas hoje desempenham também um outro papel,
complementar e para mim quase intrínseco, que consiste em informar, orientar e
apoiar as mulheres nas suas buscas para um parto humanizado. Algumas viraram
grandes fontes de referencias sobre esse assunto. É uma profissão em franca
expansão, e podemos observar um grande interesse das doulas em ampliar cada vez
mais seus conhecimentos e recursos terapêuticos. Muitas se interessam pelo Yoga
pré-natal e acho isso ótimo. Alias, creio que toda professora de yoga para
gestantes deveria ter também formação de doula!
** Ref OMS - in Guia Prático: Maternidade Segura –
Assistência ao Parto Normal, 1996: “pode-se afirmar com segurança que uma
mulher deve dar à luz num local onde se sinta segura e no nível mais periférico
onde a assistência for viável e segura. No caso de uma gestante de baixo risco,
este local pode ser a sua casa, um centro de parto de pequeno porte ou talvez a
maternidade de um hospital de maior porte. Entretanto, deve ser um local onde
toda a atenção e cuidados estejam concentrados em suas necessidades e
segurança, o mais perto possível de sua casa e de sua própria cultura.”
YV – O bebê nasceu, tudo correu as mil maravilhas, o
parto foi natural, humanizado. A mãe amamenta a criança e segue a vida. A
prática do Yoga, lógico que não o Pré-Natal, terá continuidade para essa nova
mãe ou na maioria das vezes elas param por aí? Bebês e mães – Baby Yoga – é um
convite a seguir com a prática? A partir de que momento?
ANNE –
Sim, claro que tem continuidade! Quero dizer, quando é possível, porque se tem
relativamente poucas instrutoras de Yoga pré-natal, tem ainda menos instrutoras
de Yoga Pós-parto e Yoga com bebê (que são duas coisas diferentes).
Independente da forma com o bebê veio ao mundo, a
prática de Yoga é beneficial. O pranayama e os exercícios do assoalho
pélvico (mulha bandha) podem ser praticados logo depois do parto. Mas a
volta a uma prática de Yoga “normal” tem que ser progressiva, respeitando as
transformações pelas quais o corpo passa no pós-parto.
Mulheres que foram submetidas a uma cesariana
precisam ter cuidados específicos. De forma geral, indica-se uma prática muito
leve no primeiro mês pós-parto, ou até os lóquios (sangramento) parar; alguns pranayamas,
mulha bandha, algumas posturas restaurativas. Nos três meses seguintes,
já se pode acrescentar mais posturas. Mas não é para ter pressa para voltar a
mesma prática que antes da gestação. Alias, a gestação muda tanto uma mulher
que é interessante aproveitar esse tempo para ficar atenta a essas mudanças e
aprender as ver como uma nova força, e não como algo negativo. Costumo dizer
que a gestação dura nove meses, e que se precisa também de nove meses para sair
do pós-parto!
Durante esse período, muitas mães procuram ter
alguma atividade com seu bebê. No que diz respeito ao bebê, não recomendo
iniciar uma prática em grupo antes dos três meses de idade, tempo durante o
qual o bebê deveria ficar o máximo possível em casa com seus pais. Porém nada
impede ter aulas individuais em casa, com instrutora experiente.
Quando se fala de baby Yoga, ou “Yoga para
mães e bebês” (termo que sempre usei e que está começando a ser mais utilizado
hoje em dia. Deveria ter patenteado! rsrsrs), muitas mães não sabem exatamente
o que isso significa, e de fato temos dois tipos de prática: a mais divulgada é
uma prática de Yoga suave para a mãe, com o bebê ao seu lado ou no seu colo, às
vezes faz-se também a massagem shantala no bebê, ou alguns movimentos
com ele. A outra prática, que pessoalmente me agrade mais mas que ainda é muito
pouco conhecida, é uma prática mais focada no bebê. Uma sequência de toques,
massagens, movimentos e estimulações muito sutis é realizada com os bebês,
sempre com musica ou cantos, sempre envolvendo as mães. Através dos movimentos
praticados com os bebês trabalhamos também a postura e a respiração da mãe,
sempre no espírito do Yoga. Tem momentos de grande intimidade, e momentos de
grandes brincadeiras com muitos risos! São momentos riquíssimos e o Yoga - além
de alguns outros conhecimentos - me dá ferramentas incríveis para trabalhar a
ansiedade normal de toda mãe de primeira viagem.
Ver uma mãe que chegou angustiada no inicio da aula
porque o bebê dela não dorme ou chora muito, terminar a aula num relaxamento
profundo com seu bebê dormindo em paz ao seu lado é algo sem preço. Sou muito
grata a todas essas famílias cujo caminho cruzei por me permitir viver momentos
tão únicos, intensos e preciosos.
YV – Você sabe se existe alguma deidade no Hinduísmo que
pode ser considerada analogamente uma Santa do Bom Parto?
ANNE –
Confesso que fui consultar minha amiga e colega Ana Paula Malagueta, que é
experta no assunto. Não tem precisamente uma “Santa do Bom Parto” (como a Santa
Margarida para quem as parteiras gostam de orar), mas podemos mencionar Shakti,
a deusa mãe. Parvati, a esposa de Shiva, que é uma outra forma de
Shakti e é considerada a mãe de todas as outras deidades femininas. Mas,
a Índia é tão vasta e múltipla que pode ser que exista uma “Deusa do Parto” em
alguma tradição mais remota... Ana Paula mencionou Shashthi, uma
divindade venerada no leste da Índia, protetora das crianças, também deidade da
reprodução e que protege durante o parto. No Sul, venera-se a divindade Garbarakshambigai,
considerada a deusa da fertilidade, que protege também as mulheres grávidas e
seus filhos. “Garba” significa útero, “raksha” significa proteger
e “ambigai’ quer dizer mãe.
YV – Além de ser mãe da Jada, você vive na Serra da
Mantiqueira e ministra workshops sobre Yoga Pré–Natal por todo o Brasil.
O que está previsto na sua agenda a médio e longo prazo para que as pessoas
interessadas possam se programar para participar dos cursos e das vivências?
Existe a possibilidade da Anne Sobotta lançar um livro sobre o assunto e quem
sabe um dvd?
ANNE –
O próximo workshop para profissionais vai ser agora no inicio de Agosto
em Campinas. Depois teremos um evento em Ribeirão Preto. Tem outros convites no
ar, mas nada fechado ainda. Mas, no momento, estou colocando toda minha energia
na finalização do meu programa de formação, que irá começar em 2014. Isso é
algo que queria fazer há muito tempo, e agora tenho aqui na Serra da
Mantiqueira o cenário perfeito para isso, que combina uma natureza maravilhosa
a uma curta distância de São Paulo. Teremos a formação de Yoga para gestantes e
a formação de Yoga mães e bebês. Quanto a fazer um livro... já houve pedidos e
sugestões, rsrs. Teria muito prazer em fazer, mas livro é muito
trabalho, muita produção. Não é para já! DVD nunca pensei. Por que não?
ANNE SOBOTTA – é franco-polonesa, iniciou sua prática de
Yoga em 1993 na França e se aperfeiçoou na Inglaterra e no Canadá, antes de se
mudar para o Brasil em 2001, onde ministra aula desde 2004. Única professora no
Brasil formada em Yoga Pré-natal pelo sistema Mamaste. Cursou também a formação
em Yoga para Parto Ativo com Janet Balaskas. Defensora ativa da humanização do
parto e nascimento, co-fundou o Ventre Materno em Salvador-BA, uma rede local
de apoio a gestação, parto e pós-parto que defende o direito das mulheres a ter
uma gestação e um parto dignos, como também a parir os seus filhos de forma
natural e humanizada. Hoje se dedica principalmente a formação de professores
de Yoga especializados em Yoga pré-natal e Yoga para mães e bebês. Depois de
dez anos na Bahia, radicou-se na Serra da Mantiqueira e ministra workshops no
Brasil inteiro. Anne é mãe da Jada, que nasceu de parto domiciliar em 2006. Atualmente ministra aulas de Hatha yoga para
mulheres, yoga para gestantes e yoga para mães & bebês em Santo Antônio do
Pinhal - SP e faz atendimentos particulares na Serra da Mantiqueira (SP e MG) e
Campos do Jordão. Planeja montar um grupo de apoio à gestantes nessa região.
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