HUMBERTO MENEGHIN
YV – Quem tem a oportunidade de ler a dissertação de sua
autoria “Do corpo, a plenitude. Do
corpo à plenitude: o significado da experiência corporal em praticantes de Yoga”
nota que a ideia que você tinha do Yoga se resumia em sentar em posição de meditação e ficar, imóvel, e de
preferência tentando não pensar em nada por muito tempo. Como o Tales de hoje
modificou este conceito? Quem foram as
pessoas que lhe deram suporte necessário para que essa ideia inicial sobre o
Yoga deixasse de ser a mesma? E, de que forma alguém pode tomar conhecimento
quanto a verdadeira essência do Yoga sem que isso gere confusão na cabeça
achando que Yoga é Religião?
TALES – Esse conceito foi
modificado em mim à medida que fui conhecendo melhor o Yoga e aprofundando a
prática, mas principalmente os estudos. Meu primeiro professor,em Aracaju, me
apresentou muitas práticas e me indicou um bom caminho de estudos. Mas foi
mesmo quando vim para Florianópolis que entrei em contato com o Pedro e com a
professora Gloria e o estudo de Vedanta que o Yoga me mostrou toda a sua
amplitude. E o Yoga mostra a sua própria amplitude a partir da ampliação de
nossos próprios horizontes. Não é separado, porque tudo o que o Yoga fala é
sobre nós mesmos. O que recomendo às pessoas é que busquem fontes de estudos.
Tudo o que o Yoga tem para nos dizer está em seus textos clássicos, Upanishads,
Bhagavad Gita, Yoga Sutra. É um profundo conhecimento do ser humano.
YV – Foi em 97 que você participou de
sua primeira aula – prática de Yoga na companhia de quinze senhoras idosas para
numa outra oportunidade começar a praticar com pessoas da sua idade. Muito
embora você tenha gostado de ambas as aulas, você escolheu participar da
prática que exigia mais do físico, ou seja, Power
Yoga, ministrada ao grupo das pessoas mais jovens, o que lhe dava mais
flexibilidade e calma visto que você também praticava Jiu-jitsu e participava
de competições. Diante destes fatos, será que nos dias atuais o Hatha Yoga
perdeu espaço para outros estilos de Yoga ou a tradição e a prática continuam
as mesmas desde os tempos remotos? Um novo jeito de executar um ásana para melhor acomodar o praticante
com ajuda de acessórios ou não é válido ou foge à regra do que é tradicional?
TALES – Precisamos
entender que o que praticamos hoje como Hatha Yoga faz parte do que Georg
Feuerstein chamou de Yoga Moderno. Há muitas coisas nos textos clássicos de
Hatha Yoga que não fazemos, por não fazerem mais parte do contexto dos tempos
atuais. E há muitas coisas que são negligenciadas em detrimento das posturas,
dos ásanas. Atualmente há uma supervalorização dos ásanas. Isso faz parte de um
processo histórico e de exigências próprias da sociedade moderna. Os ásanas são importante, mas são um aspecto
apenas de uma prática muito mais ampla do Hatha Yoga, que inclui Shatkarmas
(purificações), Pranayamas (exercícios de respiração com o intuito de
movimentar e direcionar o prana), Mudras (ações e gestos com o corpo com o
propósito igualmente de direcionar a energia para determinadas partes do
corpo), meditação etc. A própria visão do Hatha Yoga, em sua origem era muito
mais ampla. Os Hatha yogis da antiguidade tinham conhecimento da medicina
tradicional, do uso de ervas, da leitura do corpo e do temperamento de cada pessoa.
Por isso tinham a capacidade de indicar as práticas específicas para cada pessoa,
de acordo com a necessidade.
YV – Vida de Yoga é o nome de seu website, onde você apresenta artigos no
que concerne ao autoconhecimento contando ainda com muitas frases inspiradoras de
sua autoria que transmitem uma mensagem para os leitores. Quais são as
características principais de alguém que se propõe a ter e viver uma Vida de
Yoga? Como alguém pode se entregar a uma Vida de Yoga sem ter a vontade de
desistir desse compromisso no meio do caminho? Para se manter e viver a Vida de
Yoga é fácil ou há obstáculos que de hora em vez surgem para testar e
fortalecer aquele que se propõe? Viver uma Vida Meditativa implica em já estar
vivendo uma Vida de Yoga? Atingir o Samadhi
é o que mais vale ou para o yogi isso
não é tão importante assim?
TALES – Acredito que
sinceridade consigo mesmo é a principal meta em todo o caminho. É isso que
mantém o coração aberto para aprender com cada situação e mais tranquilo para
lidar com as dificuldades. No início de fato o autoconhecimento é um
compromisso, depois é algo que se torna imprescindível, pois é o que dá vida à
Vida. Não há fórmula para que não surjam pensamentos de desistência. O motivo
pode ser social, familiar ou pessoal. Muitas vezes o que pode fazer desistir é
a sensação de impotência frente às mudanças no mundo, o que logo é redimido
como resgate da compreensão de Karma Yoga, que resumidamente é, que cada um
deve fazer a sua parte dentro do Todo e que somos responsáveis por nossas ações
e pelo resultado delas. Uma vida meditativa é a meta de uma vida de Yoga. Não
necessariamente o Samadhi como geralmente é entendido. Não se atinge o Samadhi,
a ideia de atingir o Samadhi está ligado à fantasia do alcance de um estado
alterado de consciência permanente, que arrebata o indivíduo e o transforma
definitivamente, colocando-o num estado de constante de paz e elevação. Essa é
a mesma ideia da existência de um paraíso que se deve alcançar, uma fantasia. O
Samadhi é algo que se dá na compreensão de si mesmo, do mundo e de si mesmo
como integrado ao mundo e se reflete nas ações e na vida do indivíduo. É a
compreensão da unidade para além da dualidade da vida. Samadhi não é algo que
se acende, é algo que se reconhece como aceso desde sempre em si mesmo.
YV – Como escritor você publicou dois
livros até o momento presente: “Yoga e o Ser” foi o primeiro e o mais recente
“Brilho Súbito”. Para as pessoas que ainda não tiveram acesso aos seus livros,
quais são peculiaridades que cada um deles trata? O Yoga e o Vedanta o
inspiraram e contribuíram no processo de criação dos temas que tratam esses
livros? Você está escrevendo um novo livro?
TALES – O primeiro
livro, O Yoga e o Ser, é uma compilação de diversos artigos e reflexões. Desde
que comecei a praticar Yoga eu tenho um diário de prática, no qual coloco os
pensamentos e inspirações que surgem dia a dia. O primeiro livro é uma
compilação desses pensamentos e artigos baseados neles. O segundo, Brilho
Súbito, é um livro de frases e poesias. Mas há um pensamento bem estruturado na
organização do livro. Numa primeira leitura pode passar despercebida ao leitor
a visão de todo do livro e ele se prender na individualidade de cada reflexão.
Mas estou trabalhando no terceiro livro teórico que é a explicitação dessa
estrutura de pensamento que está como inspiração implícita no Brilho Súbito.
Tudo o que escrevo tem influência do Yoga e de Vedanta, é uma extensão de minha
prática, até mesmo a minha dissertação teve essa influência.
YV – Vedanta é muito importante para
aqueles que estão imersos no Yoga com seriedade e compromisso e alguns até se
tornam Hindus, cultuando as Deidades do Hinduísmo. No entanto, muitos mantem a
religião seja Católica ou uma outra e adotam o Vedanta como uma filosofia,
muito embora não seja. Você acha que a partir do momento que o conhecimento
começa a florescer no estudante a tendência é de ele abandonar a religião que
adota e se tornar Hindu ou apenas simpatizar-se e aprender com as passagens de Arjuna
e Krishna, na Bhagavad Gita?
TALES – Não é
necessário se tornar Hindu, será uma opção. O que é inevitável a partir do
momento que o conhecimento começa a florescer no estudante é sentir uma
profunda admiração e gratidão pelo ensinamento, por sua fonte e por quem os
traz até nós. Aderir aos rituais e se inserir neles é uma opção. A consequência
do ensinamento não é se tornar hindu, mas se tornar humano, reconhecendo tudo o
que nos aproxima, independente da religião.
YV – Sabemos que você além Viver uma
Vida de Yoga, ministra cursos, workshops
e ainda um curso específico para formar professores de Yoga. Ensinar Vedanta, a
Gita, algumas das escrituras,
realmente não é uma tarefa fácil. Como você conseguiu formular um programa
viável, coerente e didático no sentido de transmitir o conhecimento sem gerar
muita confusão na mente dos estudantes? E como se desenvolve o curso de
Formação de Professores de Yoga que você ministra? Será que a maioria que se
forma professor ou professora de Yoga irá ministrar aulas práticas ou muitos o
fazem para apenas aprofundarem a prática pessoal?
TALES – O curso pode
ser dividido em dois caminhos. Um é preparar didaticamente o professor para
ministrar aulas, dando embasamento prático e buscando as técnicas do Hatha Yoga
presentes desde os textos clássicos, Hatha Yoga Pradipika, Gheranda Samhita e
Shiva Samhita. O outro caminho é mostrar
que Hatha Yoga é muito mais do que ásanas e que o Yoga é muito mais do que
Hatha Yoga. Para essa “ampliação”, recorro a todo ensinamento que aprendo com a
Professora Gloria Arieira, fazendo uma introdução às escrituras. Estudamos a
Gita e o Yoga Sutra como textos principais, aprofundando nos temas mais
importantes como os “corpos do ser humano”, “o que é Karma Yoga”, “o que é
Ishvara”. A partir disso cada um poderá decidir aprofundar mais nos textos direcionando
seus estudos. Muitas pessoas fazem o curso para o autoconhecimento e para
aprofundarem sua prática pessoal.
YV – A Terra é um planeta que está em
constante transformação e por isso o Verde está cada vez mais ameaçado e muitos
que estão no poder não se importam em preservar o que deve ser preservado e na
medida do possível causar o mínimo de dano ao meio ambiente. Diante disso, de que
forma aqueles que estão imersos no Yoga e Vedanta podem contribuir para pelo menos
atenuar os efeitos danosos que insistem em tomar conta da sua cidade, país e do
planeta?
TALES – O Yoga é de fato um conhecimento
que tem o potencial de mudar a maneira como vemos o mundo. E isso não é pouco,
é um primeiro passo para que possamos mudar as nossas ações. O Yoga nos mostra
que somos responsáveis por nossas ações e pelo resultado delas. O que está
acontecendo no mundo é simplesmente a externalização de uma visão de mundo
fragmentada e fragmentária e de emoções deturpadas como a ganância, a avidez
por poder e a inveja. Todas essas emoções em forma de ação tem um efeito sobre
o mundo. É isso que devemos mudar. E para que isso mude é preciso ações
diferentes no dia a dia. Desde a escolha dos alimentos, a forma como nos
deslocamos na cidade, a forma como tratamos os outros na rua à educação que
damos aos nossos filhos. É um processo de construção, que pode ser árduo em
alguns momentos, mas inspirador e motivador na maior parte dele.
YV – Você e a sua esposa e
alguns colaboradores se dedicam em editar e publicar os Cadernos de Yoga, com
quatro publicações anuais correlacionadas às estações do ano. Em tempos de tablets, os Cadernos de Yoga poderão
contar com a opção digital ou o público fiel aprecia mesmo a publicação em
papel? O que inspira e move vocês a seguirem em frente como essa publicação
indispensável a quem almeja absorver conhecimento de fontes idôneas?
TALES – Este ano os
cadernos de Yoga completam 10 anos de vida. Isso não é pouco. No momento
eu e a Chris trabalhamos em todo o processo de composição dos Cadernos. Algo
que não faríamos, certamente, sem a colaboração dos autores, que sabem da
importância da publicação no cenário nacional do Yoga e vestem a camisa, mas o
trabalho diário de manutenção é nosso. É um trabalho incrivelmente realizador e
ao mesmo tempo desafiador. No início da transição da administração do Rodrigo
Gomes Ferreira para a nossa, que aconteceu em 2008, colocamos dinheiro dos meus
próprios cursos para manter os Cadernos. Nessa época nós pensamos em desistir.
Mas aí coisas incríveis acontecem. Num curso em Florianópolis o David Frawley
falou para todo o público, com uma edição dos Cadernos de Yoga na mão, que esta
era a melhor publicação de Yoga do mundo, que não havia se deturpado, e desejou
vida longa ao projeto. Num outro momento que faltou dinheiro mesmo, recebemos,
do nada, uma doação de uma leitora do Rio de Janeiro, foi o que faltava para
pagar a gráfica. E em diversas horas as palavras de incentivo da professora
Gloria Arieira foram um sopro de inspiração e de força para continuar. Hoje
essa dificuldade passou e estamos mais estabelecidos, mas sempre há desafios. A
nossa preocupação sempre foi de manter o propósito inicial da edição, manter a
qualidade da linha editorial acima de tudo. Levar o conhecimento do Yoga com
respeito, cuidado à tradição, com toda a honra e gratidão que temos a ela.
Somos de fato independentes e isso não é fácil em nenhum mercado editorial do
mundo, no Brasil não seria diferente. Já negamos anúncios de empresas que não
respeitam o Yoga ou seus valores; negamos insistentes pedidos de colocar
matérias pagas; não apelamos para modismos que vendem; em nossas capas não
prometemos transformações instantâneas. Práticas que são muito comuns no
mercado editorial. O que nos inspira é divulgar o conhecimento do Yoga, com o
reconhecimento do quanto ele é amplo e pode trazer mudanças significativas na
vida das pessoas em seu íntimo, em termos de autoaceitação, força de vida e
compreensão do Todo. Acreditamos que ajudando as pessoas a mudarem as suas vidas,
estamos colaborando com uma transformação mais ampla no mundo. Isso é o que nos
inspira.
YV – Consoante os ensinamentos que você adquiriu e vem adquirindo
no decorrer da jornada qual ou quais versos da Baghavad Gita ou um trecho de uma das escrituras, na sua opinião,
trazem uma mensagem indispensável ao buscador?
TALES
– “Não há, aqui neste mundo, meio de purificação comparável ao conhecimento”.
(Bhagavad Gita - IV, 38)
YV – Eleições e Copa do Mundo acontecem
neste ano de 2014, o que está previsto na sua agenda de cursos para que os
estudantes possam programar-se e participarem?
TALES – Já estão abertas
as inscrições para a Formação em Florianópolis para início em agosto deste ano.
14 de Junho
estarei em Blumenau, 15 a 17 de agosto em Cuiabá.
13 e 14 de
setembro estarei em São Paulo, no Nilakantha, falando sobre os Chakras. Bem
como dias 01 e 02 de dezembro em Campo Grande.
Além disso,
está acontecendo o curso extensivo de chakras aqui em Floripa que ano que vem
já está sendo estruturado em São Paulo.
TALES NUNES é
professor de Yoga, tem mestrado em Antropologia Social na UFSC, com dissertação
escrita sobre a representação do corpo no Yoga. Atualmente ministra workshops
pelo Brasil e formação para professores de Yoga em Florianópolis e Campo
Grande. É editor dos Cadernos de Yoga. E pública seus textos no site
www.vidadeyoga.com.br
Belíssimas palavras, de muita sabedoria.
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