HUMBERTO MENEGHIN
Minha amizade com a Claudinha começou a se
deteriorar a partir do momento que aquela nova sócia, Valquiria, chegou ao
escritório para trabalhar. Além das mudanças que estava implementando, mexendo
na equipe e impondo novos procedimentos de como realizar um projeto ao seu
modo, Valquiria não estava sendo bem quista pela maioria; no entanto, soube que
ela estava se dando muito bem com a Claudinha, que inclusive havia sido
promovida. Como já haviam dito, essa nova sócia trouxe uma funcionária de
confiança chamada Miriam Mitiko cuja etnia era asiática. Miriam Mitiko me
parecia uma boa pessoa, sempre trajando roupa preta e uma bolsa de marca famosa
que na certa deveria ter ganho de presente da chefa. Era muito inteligente,
dedicada, denotava confiança (mas era a funcionária que a Valquiria trouxe para
ocupar o meu lugar) e eu fiquei sabendo que sempre trazia chocolates finos e
algumas outras guloseimas para dividir com os novos colegas, provavelmente para
conquistar a simpatia deles.
Como eu não estava mais trabalhando diretamente com
essas pessoas, o que por um lado poderia ser um alívio, soube que a Claudinha
não só havia se afastado de mim, mas também de outras pessoas que antes
pareciam ser amigas. Desde aquele dia que me mandaram para trabalhar noutro
andar, não almoçamos mais juntas e eu com toda essa atribulação também parei de
ir às minhas aulas de Yoga aproveitando a carona da Claudinha.
De repente, lembrei que um dos cheques pré-datados
que havia deixado lá no espaço tinha sido descontado, mesmo eu não ter
freqüentado as aulas. Então, liguei para lá e pedi para que me devolvessem o
valor em dinheiro e os outros cheques pendentes porque eu não havia ido as
aulas e tinha decidido definitivamente parar com o Yoga.
Como resposta me disseram que seria impossível a
devolução do cheque recentemente descontado referente às práticas que não fui;
mas que poderiam devolver os outros pendentes caso quisesse realmente parar.
Mas, por cortesia, para evitar que eu parasse com o Yoga, permitiriam que eu
repusesse as práticas, o que seria uma exceção, pois não costumavam fazer isso.
Disse que iria pensar e que entraria em contato; mas, antes que eu pudesse
guardar meu celular, percebi outra ligação se anunciando. Olhei no visor e vi o
nome escrito na tela: era a Simone.
O que essa mulher poderia querer comigo? Atendi e
então soube que ela havia ligado para cobrar a devolução daquele pequeno livro
que havia emprestado “The problem is you,
the solution is you”, que na verdade não estava comigo e nem para mim havia
sido emprestado. Quando soube que tinha sido para a Claudinha o empréstimo,
Simone pediu desculpas e quis saber por que eu e a minha amiga havíamos parado
de freqüentar as aulas de Yoga.
Disse que a Claudinha estava saindo muito tarde do
serviço, trabalhando como uma doida e que eu estava ocupando uma nova função e
que andava meio desanimada com a vida. Então, Simone quis saber por que motivo
eu estava desanimada com a vida. Em poucas palavras, contei o que havia
acontecido e antes que desligasse Simone me convidou para uma palestra-encontro
com uma “mestra” que iria falar sobre as coisas da vida, no Centro Cultural de
Letras e Artes, às 19 horas dessa noite e que isso seria imperdível. Mas, quem
seria essa “mestra”? Pensei um pouco e decidi aparecer por lá.
O dia passou bem atribulado e quando estava prestes
a pegar o elevador, com surpresa encontrei a Claudinha, Miriam Mitiko e
Valquiria. Curiosamente todas vestiam roupas pretas e pararam de falar quando
entrei. Nos cumprimentamos por mera educação e depois cada uma tomou seu rumo.
A noite já havia chegado e ventava. Então, decidi
ir caminhando até o Centro Cultural de Letras e Artes que não era muito longe
de onde estava. Ao chegar lá notei um aglomerado de gente já pela calçada que
fazia fila para subir por uma escada que levava à sala de exposições e ao
pequeno auditório daquele Centro Cultural. Lembro-me que a última vez que
estive lá foi numa palestra sobre parapsicologia proferida por um frei
católico, há mais de vinte anos e aquele Centro Cultural se mantinha o mesmo,
com mesmas cadeiras em madeira, bem antigas assemelhando-se àquelas dos
primeiros cinemas que abriram na cidade. Pela frente um palco pequeno onde logo
notei uma espécie de mini trono e alguns vasos com flores. Uma música talvez
indiana ecoava pelo ambiente. Um som misturado com flauta e raga.
Tentei encontrar a Simone por lá, mas não a via em
lugar algum; então de repente vi alguém se agitar numa das poltronas acenando
para mim: era a Simone. Quando me
aproximei dela, disse que havia guardado a cadeira ao lado para mim e que a
outra a mais pulando a minha seria para Kika. Kika?! Quem seria essa Kika?
Mesmo que a Simone insistisse em manter aquela
cadeira reservada para Kika, enquanto o pequeno salão se enchia, mais de uma
pessoa mostrou a intenção para ocupar aquele lugar vago. Acho que demorou mais
de cinco minutos para que uma moça na faixa etária dos trinta, aparentemente
gordinha, mas charmosa, ocupar o lugar ao meu lado. Fomos apresentas pela
Simone e então fiquei sabendo que Kika tinha acabado de retornar da Índia, onde
havia passado seis meses.
Com um olhar penetrante, cabelo negro e preso
formando um pequeno rabo de cavalo, Kika tinha uma pequena tatuagem no dorso da
mão direita, uma tatuagem que não consegui decifrar o que poderia ser, talvez
um daqueles mantras...
Mostrando-se simpática comigo, Kika disse que
estava morando com a Simone até encontrar um canto pra se fixar e que pensava
em dar aulas de Yoga. Simone havia indicado a escola onde praticávamos por ser
lídima, mas não estavam precisando de professores de Yoga por lá. Já tinha ido
a um outro espaço da cidade tentar um emprego, mas o que iriam pagar não daria
nem para a condução. Então, desistiu de dar aulas de Yoga num espaço e resolveu
se dedicar a vender roupas e alguns produtos que havia trazido da Índia, pois,
por enquanto, parecia estar morando de favor na casa da Simone.
As luzes daquele salão lotado do Centro Cultural de
Letras e Artes diminuíram a intensidade, então um sujeito calvo, de estatura
baixa, vestindo roupa branca, subiu no palco, ajeitou o microfone dizendo:
“testando, um, dois, três, testando...” As luzes se apagaram, depois um foco
acendeu num dos lados do palco e a tão aguardada “mestra” apareceu.
Harih Om!
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