22 de agosto de 2013

YOGA EM VOGA ENTREVISTA – VICENTE MORISSON





HUMBERTO MENEGHIN


YV – Em março passado você esteve em Rishikesh, Índia, participando de três Vedánta Camps ministrados pelo Swami Dayananda Saraswati. Esta jornada de estudos e devoção se tornou um bom costume presente em você já faz algum tempo e ano a ano você volta para lá. Como surgiu essa grande vontade de adquirir conhecimento na mais pura fonte que é o Swamiji? Na época em que você se dedicava às Artes Marciais e estudava Arquitetura passava-lhe pela mente que o Yoga e o Vedánta estavam a sua espera e que um dia você se tornaria professor de Yoga e fundaria o Espaço Nilakantha?

VICENTE – O meu primeiro contato com o Vedánta se deu através de um dos workshops de Yoga que fiz com o professor Pedro Kupfer há mais de 15 anos atrás. Nessa caminhada tive a oportunidade de estar ainda mais próximo da tradição quando participei de uma palestra da prof. Gloria Arieira num dos Yoga Sangans em Mariscal (SC). Um dos professores dela na Índia havia sido o Swámi Dayánanda. Naturalmente, quis ir para a Índia conhecê-lo e até hoje mantenho contato com esse estudo através daqueles que participam dessa tradição. Não imaginava que seria professor de Yoga. Foi graças à arte-marcial que me interessei pelo Yoga. Inicialmente, o que me interessava eram as técnicas para melhorar o meu desempenho físico. Depois fui me dando conta que o Yoga propunha algo muito maior. Num determinado momento deixei a arte-marcial de lado e passei a me dedicar mais ao Yoga. Depois de alguns anos praticando e fazendo diversos cursos amadureceu a possibilidade de poder transmitir esse conhecimento para outras pessoas. Realmente, me sinto uma pessoa privilegiada por trabalhar e ter o Yoga como estilo de vida.






YV –Paralelo às práticas de Hatha Yoga que você conduz no Espaço Nílakantha, em São Paulo, você começou um grupo de estudos para estudar Vedánta, tendo por fundamento as gravações em CDs de textos e escrituras védicas proferidas pela professora Glória Arieira e ainda, iniciou uma turma para estudo de Sânscrito e Cantos de Mantras. Você acha que hoje em dia há muitos que se mostram interessados em saber mais sobre esses assuntos a ponto de estudá-los? O que há de especial no Vedánta e na língua Sânscrita que chega a ponto de fascinar alguns estudantes? Algum mistério envolvido? E sobre os cantos de mantras: são indutores ao estado meditativo? 

VICENTE – Sinto que o interesse ainda é pequeno. Isso é curioso, pois muitas vezes as pessoas que praticam Yoga vão buscar a parte dita “filosófica” em outras tradições, como por exemplo, o Budismo. A tradição do Yoga surgiu do Veda (ou Vedas) e essa é a mesma origem do qual o Vedánta está inserido. Estamos falando de uma tradição viva que tem sua origem datada por volta de 7.000 anos a.C. É importante termos em conta que aquilo que praticamos hoje deveria estar alicerçado nas bases védicas e nelas, por exemplo, estão inclusos o estudo dos shástras (escrituras), assim como o sânscrito e o canto de mantras. Ainda há uma procura muito maior pelas atividades que abordam apenas ásanas (posturas) e pránáyámas (expansão da energia vital através de técnicas respiratórias). A nossa proposta no Nílakantha é modificar um pouco essa mentalidade criada que Yoga se resume apenas as técnicas. As técnicas em si são importantes, mas estamos mais preocupados que o nosso aluno desenvolva uma atitude perante as suas ações. Uma atitude correta nasce com base no conhecimento. Esse é o primeiro passo para que mudanças fundamentais aconteçam no indivíduo, pois se ele procurou o Yoga é porque o Yoga deve oferecer algo a mais. 

É dito que para buscar o Vedánta o seu cabelo tem que estar “pegando fogo”, ou seja, quando as respostas para as suas questões fundamentais não são preenchidas haverá uma prioridade maior em resolvê-las. Quando isso acontece moveremos naturalmente para o autoconhecimento. Na minha opinião, o que há de especial no estudo de Vedánta é que além de ter o sujeito como tema principal, aponta que tudo aquilo que ele busca ele já é. Contudo, se o ensinamento não for devidamente compreendido essas palavras irão trazer ainda mais desconforto, pois as nossas experiências mostram justamente o contrário. O Vedánta trás você para uma outra perspectiva. Talvez, tudo aquilo que você sempre buscou já estava ali da mesma forma quando procuramos desesperadamente os nossos óculos sem nos darmos conta que eles já estavam na nossa cabeça. Percebemos que a mudança se dá na visão que temos de nós mesmos.  Essa mudança de visão também implicará numa mudança de visão que temos sobre tudo aquilo que nos cerca. Vamos nos dando conta que todos os eventos não estão separados e que existe uma Ordem que governa tudo ao nosso redor. Muito se fala de Vedánta como filosofia, mas veremos que se trata de um corpo de conhecimento. Para isso, é fundamental um professor qualificado nesse tipo de estudo! Quanto à língua sânscrita ela acaba sendo um complemento para esse estudo, mas não essencial. Tanto o sânscrito quanto o canto védico tem a capacidade de preparar e capacitar melhor a nossa mente. Não vejo nenhum mistério envolvido no sânscrito, apenas uma riqueza e beleza naquilo que foi muito bem feito. O sânscrito é tido como uma das línguas mais sofisticadas que se tem registro. Dentro dessa tradição é importante saber o significado daquilo que você está entoando, caso contrário, muito se perde do real objetivo da prática. Com a atitude correta, sim, o canto védico pode se tornar uma prática meditativa assim como qualquer outra prática.






YV – Para o devoto essencialmente Hindu, ir ao templo, cantar mantras e tomar um banho no Ganga quando se está por perto são atividades que de uma forma e outra contribuem para que a vida flua de uma maneira mais límpida e consciente.  Você segue a risca essas ações quando pode? Que rituais hinduístas você costuma fazer quando está por aqui? Há um mantra em especial que o toca profundamente? E na Bhagavad Gítá, qual ou quais versos você acha que trazem uma mensagem indispensável que vale a pena destacar a qualquer buscador?

VICENTE – Como o Swámi Dayánanda diz: “Tudo o que fazemos é ritual”, ou seja, a forma como escolhemos realizar as nossas ações diárias obedece um certo esquema, uma certa ordem, visando muitas vezes um agradecimento ou um determinado resultado. Nesse sentido, sempre que posso procuro realizar as minhas ações como uma forma de preparar a minha mente para aquilo que me predispus a fazer. Costumo fazer pújás, meditar, entoar mantras buscando estabelecer nesses pequenos rituais uma relação com a totalidade. Existe um mantra que gosto muito que é Om Namah Shiváya que me ajuda a recordar que a vida está sempre em constante transformação e que não tenho qualquer controle sobre os resultados das minhas ações. Quanto a Bhagavad Gítá todo o ensinamento é importante. Na vida de um buscador que optou pela vida de Karma Yoga (Yoga da Ação) vemos o quanto uma ação em concordância com o dharma tem o seu valor. Contudo, a nossa escolha está restrita somente à ação, jamais ao resultado. Não temos essa capacidade de controlarmos o resultado daquilo que fazemos. Tampouco devemos nos isentar da ação. Compreender isso é um grande ganho! O que nos resta como um karma yogui é apenas fazer o que deve ser feito dentro das nossas possibilidades. Podemos encontrar esse ensinamento no Cap. 2 do verso 47.






YV – Por que um dos nomes de Shiva foi escolhido para designar o seu Espaço de Yoga? Além desta Deidade, quais outros Deuses do Hinduísmo você mais aprecia? Ganesha já lhe removeu concretamente algum obstáculo?

VICENTE – Quando fui para a Índia pela primeira vez (2004) me identifiquei com os aspectos da deidade Shiva tanto no que se refere ao modelo de yogui, mas também por ter esse lado outsider Como havia ido ao templo de Nílakantha (Rishikesh), o meu amigo e professor Pedro Kupfer sugeriu esse nome para o espaço que estava prestes a ser inaugurado. Nílakantha é um dos nomes dados à Shiva e significa aquele de garganta azul. Aprecio também todas as outras deidades e procuro invocar os respectivos aspectos sempre quando necessito trazer uma determinada atitude. Não saberia lhe informar qual obstáculo Ganesha removeu. Isso não tenho como saber. Mas como toda ação implica num determinado resultado invocar Ganesha para iniciar qualquer atividade é sempre desejável. É dito que se você entoou o mantra para Ganesha e o resultado não foi aquele esperado seria muito pior se não tivesse entoado.


YV – Você tem algumas tatuagens em seu corpo e na palma de uma das mãos tatuou o símbolo do mantra Om. O que o levou a escolher a palma de uma das mãos para tatuar esse símbolo?

VICENTE – Porque é um símbolo especial que aponta para a totalidade (Íshvara). Algumas deidades hindus, como Shiva tem o Om presente na palma da mão direita e por uma questão simbólica fiz no mesmo lugar. É apenas uma simples representação, nada mais do que isso.






YV – Ter um Espaço voltado à prática e ao estudo do Yoga e administrá-lo não é uma tarefa simples, pois denota dedicação por parte de quem o possui. Como você vê a prática do Yoga, no Brasil, atualmente? Muitos os que procuram e poucos os que realmente se interessam e continuam? Qual o comportamento e o tom de voz ideal indicado para o professor (a) durante a condução de uma aula de ásanas? Quais os cuidados que o professor (a) deve observar e ter para ministrar aulas de ásanas para mulheres grávidas?

VICENTE – O Yoga no Brasil é muito recente comparado ao que representa essa tradição na Índia. Essa é uma tradição muito rica e ela tem muito a oferecer à humanidade de uma maneira geral. Ela propõe um certo estilo de vida e mesmo parecendo estarmos distantes dessa proposta não significa que o Yoga esteja ultrapassado. Talvez, as buscas e necessidades do ser humano nos dias de hoje sejam outras, afinal o que significa a vida para cada um de nós? Quanto aos nossos alunos nem sempre eles desejam se dedicar mais a fundo a prática e ao estudo. Isso é normal, pois cada um tem um entendimento do que o Yoga significa! Nós por outro lado temos o papel de mostrar que a prática vai muito mais além do tapetinho. A faixa etária varia e hoje existe um certo equilíbrio entre mulheres e homens. Isso é muito bacana, já que o Yoga é para todos! Acho que o tom de voz numa sala de aula deve ser bem postado e as instruções claras. Quanto aos cuidados para ministrar aulas de ásanas para as Gestantes citaria: indicação médica para a aluna começar a praticar, respeitar os limites do corpo que vão aumentando ao longo da gestação, saber as posturas que podem ser praticadas e aquelas que não devem ser praticadas durante esse período, assim como os pránáyámas. É um momento que não exigimos muito das nossas alunas, já que esse tipo de prática acaba sendo uma grande oportunidade de estreitar ainda mais a relação da mãe com o bebê.


YV – Existe algum ásana em especial que você aprecia mais em detrimento de outros? É Hatha Yoga dito e feito ou os outros estilos tem algo positivo a oferecer?

VICENTE – Sim, shavásana (postura do morto ou postura do cadáver). Acho que nos dias de hoje saber relaxar é um grande diferencial. A prática de Hatha Yoga que dou tem seus princípios no Hatha Yoga (original). Nas minhas aulas costumo iniciar com o aquietamento, depois com algumas posturas do pawanmuktásana, técnicas de purificação, sequências de vinyasas, posturas com permanência, relaxamento, pránáyámas, técnicas de concentração e meditação. Incluo também um pouco do estudo para sala de aula para que o aluno possa compreender que a atitude desenvolvida em cima do tapetinho possa ser levada também para fora da sala de aula. Um aluno, ao meu ver, não deveria começar uma prática sem saber, por exemplo, o que são Yamas e Niyamas. Esses são alguns dos alicerces básicos para uma prática de Hatha Yoga.






YV – Além de professor de Yoga, facilitador no estudo de Vedanta, Sânscrito e cantos védicos, você se formou terapeuta em Ayurveda na Clínica Dhanvantari, em São Paulo/SP e também participou de cursos na Academia Internacional de Ayurveda em Poona, Índia. Qual a relação entre o Ayurveda e o Yoga? Você acha que é um complementa o outro ou Ayurveda na verdade é Yoga? Quem são os professores versados em Ayurveda que indica para que os interessados em se aprofundar neste assunto possam ler livros, ter aulas ou seguir um curso?

VICENTE – Existe uma relação muito próxima entre o Áyurveda e o Yoga. Elas são consideradas ciências irmãs e fazem parte do conhecimento védico. Nesse sentido são disciplinas diferentes, mas que trabalhadas juntas podem trazer grandes benefícios para o indivíduo em todos os níveis. Ambos são um caminho espiritual. Como opção de leitura indicaria os livros do Dr. David Frawley e Dr. Vasant Lad. Para cursos e atendimentos aqui em São Paulo indicaria o Dr. Luis Guilherme (Dhanvantari) e Dr. Cesar Devesa.


YV –  Guru é aquele que dissipa a ignorância, traz a Luz, o conhecimento. Existem alguns ditos “mestres” ou “gurus” tanto aqui quanto ali e ainda alguns outros que querem ser, que enganam muito os que neles depositam confiança e os seguem. Na sua opinião quais são os indícios de que determinada pessoa não é realmente aquilo que é, ou seja, não é um “guru” ou “mestre” que se deve confiar, acatar os ensinamentos e seguir?

VICENTE – Sim, como você disse o sábio é aquele que dissipa ignorância revelando o conhecimento. Contudo, percebemos que identificar um verdadeiro guru nem sempre é uma tarefa fácil. Ouvi uma dica muito legal do meu amigo e também professor Jonas Masetti. Ele deu o exemplo de uma ferramenta que existe no computador para tratamentos de imagens, que se chama saturação. Quando jogamos a saturação para um dos extremos a imagem fica preto e branco. É assim que deveríamos enxergar um guru, um swámi ou um mestre. Muitas vezes, nos deixamos levar pela forma, estética e trejeitos. Uma pessoa se vestir de alaranjado, por exemplo, não quer dizer absolutamente nada, pois se a todo instante associarmos que quem veste laranja é um mestre nós entramos numa grande fantasia. É saudável e desejável desenvolver a capacidade de lidarmos apenas com a pessoa e o que ela está nos dizendo. Além disso, a grandeza de um mestre está na humildade e no apreço que ele tem pelo autoconhecimento.


YV – Tem um programa na GNT que se chama “Surtadas na Yoga”. Você acha que “surtar” durante uma prática de ásanas é uma coisa passível de acontecer a um praticante que não esteja bem dentro da normalidade? Ou, do contrário, a prática pode reverter esse processo e quem é pavio curto não irá “surtar”?   

VICENTE – Achei interessante essa pergunta, pois o que é ser normal hoje em dia? Viver no padrão? Acho que as pessoas estão surtando justamente por viver nessa “normalidade” ou normose. Acho que a prática junto com o estudo podem nos fornecer ferramentas importantes para nos relacionarmos de maneira mais equilibrada com nós mesmos e com tudo o mais que nos cerca.





YV – Que relação você pode identificar entre o Yoga, o Vedánta e o Mar? O surfe o fascina tanto quanto o Yoga? Se tivesse que abrir mão de um deles, qual seria?

VICENTE – Acho que cada um deles pode nos mostrar a relação existente entre o indivíduo e o Todo. Costumamos a princípio buscar uma união como se algo estivesse separado. Contudo, em realidade, nunca estivemos separados daquilo que se encontra a nossa volta. Isso deve ser entendido! Da mesma forma que uma onda que percorre milhas e milhas no vasto oceano e num determinado momento tem a impressão que vai se desfazer na beira da praia. É assim que nos identificamos de uma forma ou de outra, limitados e incompletos. Contudo, essa onda pode através do conhecimento reconhecer que ela já é a própria imensidão do vasto oceano, ou seja, a onda não necessitou alcançar nada do que em realidade ela sempre foi.

Mais do que o surfe, o que mais me fascina é o mar. Tenho uma relação muito próxima com ele desde pequeno. Ele me resgata essa totalidade. Para mim não importa onde esteja. Se conseguir trazer a atitude correta naquilo que estou fazendo posso estar em paz em qualquer lugar. Essa é a prática diária no qual me empenho a praticar. Hari Om!








VICENTE MORISSON – professor de Yoga e que desempenha suas atividades no espaço Nilakantha (São Paulo). http://www.nilakantha.com.br/

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