HUMBERTO J. MENEGHIN
YV – Com o passar dos
anos a prática especificamente de ásanas naturalmente
se modifica. Certas posturas aparentemente “difíceis” pareciam ser importantes
e necessárias; no entanto, agora, algumas podem não ser mais. Na sua prática
pessoal isso aconteceu ou não? E, se aconteceu, quais posturas apesar de serem
boas “perderam o sentido pra você”, foram deixadas de lado e não são mais
realizadas? E, quais outros ásanas
passaram a ser freqüentes e indispensáveis na sua prática pessoal?
TEREZA –Na verdade,
minha prática se transformou completamente quando vim morar no sítio! Troquei vinyasas por caminhadas e sirsasanas por jardinagem. O fato é que
era um mundo tão novo pra mim que tive que me apropriar da horta e das flores
para entender todo o processo e conseguir colher frutos.
Depois de dois anos sem dar aulas, decidi que deveria
compartilhar esse conhecimento com as pessoas da cidade onde tenho sítio e a
experiência está maravilhosa! As alunas chegaram completamente “tábula rasa”!
Nunca tinham praticado yoga antes! Minha responsabilidade era
imensa!!! Às vezes um mau professor pode fazer uma pessoa desistir do Yoga, por
pensar que asanas são acrobacias e
que aquilo não serve para ela. Precisamos olhar o aluno e perceber o que ele
precisa naquele dia e não, impor uma prática a partir das nossas
necessidades.
YV – Meditar “é muito
bonito”, passa a credibilidade a muitas pessoas de que quem medita é uma pessoa
equilibrada, muito confiante, concentrada, assertiva e que diante dos momentos
árduos que a vida apresenta e situações de estresse tira tudo de letra e em
poucos minutos se sente bem. É isso mesmo, ou até para quem adota as tentativas
diárias de meditar, à vezes, deixa se abater por situações que não são
agradáveis? Contar a até três resolve ou a raiva vai ser extravasada custe o
que custar? Num mundo onde a violência infelizmente ainda acontece, praticar
Yoga e meditar pode ser um remédio a conta gotas?
TEREZA – Sim! Praticar
yoga nos faz pessoas melhores! Mas costumo brincar que quanto mais uma pessoa
pratica, é porque ela precisa muito!!! Costumo dizer que se eu não praticasse,
seria uma pessoa insuportável!
Hahaha e sim, a
prática de meditação constante nos deixa mais centrados, sem dúvida. Mas quando
o calo aperta, somos humanos! Sofremos, choramos, sentimos medo, mas a forma
como administramos o sofrimento talvez seja diferente de uma pessoa que
desconhece a meditação! Creio que a maior riqueza da meditação é nos ensinar a
estar presente no momento presente! Aqui e agora é o meu mantra!!!
YV – Fulana diz que tem
“inveja branca” de Sicrana; de algo que ela conquistou ou teve a boa sorte de
possuir sem grandes esforços. Por exemplo: ela é milionária porque a família
tem muitas posses. Então, podemos inferir que essa pessoa sortuda e invejável diz-se
que tem um bom karma e então é merecedora do que desfruta? A inveja tem cor?
Como controlar e diluir a inveja que se tem por alguém? Ou, todos somos
invejosos e cada um a seu tempo deixa de invejar algo que o outro tem na medida
que amadurece? Por que alguém que tem tudo na vida, nada lhe falta e até mesmo
é invejada vai invejar algo de um pobre ou pobre coitada que não tem as mesmas
vantagens que ela?
TEREZA – Por ignorância!
Quando não compreendemos que já somos a felicidade que tanto buscamos,
acreditamos que a felicidade está fora de nós e por isso, queremos ter a vida
que o outro tem!
Com a maturidade, compreendemos que a gente não se torna
aquilo que já é! Ou seja, não vai ser com experiências ou posses que vamos
preencher o vazio inerente a todo ser humano. E sim, com autoconhecimento! A
razão do nosso sofrimento é a ignorância existencial! Assim, uma pessoa pode
ser milionária e linda e mesmo assim, infeliz!
YV – Política, Religião
e Futebol são assuntos que geram opiniões divergentes causando discussões e até
brigas. Você acha que vale a pena perder uma boa amizade se alguém não
concordar ou divergir de uma crença arraigada que possamos ter a respeito de um
desses temas? Ou, então, o que vale mais é firmar o posicionamento pessoal e
preservar a amizade respeitando o pensamento oposto? Mas, será que no fundo a
amizade continuará a mesma ou foi abalada e a confiança que antes era de 100%
agora passou a 60%?
TEREZA – Nessas últimas eleições, houve briga em família e amigos por divergências ideológicas! Mas nem por isso deixamos de respeitar a opinião de quem amamos. Há pessoas que dizem não gostar de política. Mas tudo na vida é político! O que você come é político, com quem você se relaciona é político! Muitas pessoas questionam como posso ser uma professora de Yoga e postar assuntos sobre política! Para mim, até o fato de dar aulas de Yoga é político! Minha posição é de inclusão e justiça social! Por isso, vou lutar até o fim da vida!
Na Bhagavad Gita, Krisna ensina que devemos fazer o que deve
ser feito para preservar o dharma!
Enquanto existir desigualdade, preconceito, racismo, misoginia, vou continuar
esbravejando porque acredito que silenciar é se tornar cúmplice das injustiças!
Yoga é pé no chão! É uma filosofia que te ensina como ser uma pessoa melhor!
Isto é político!
YV – Hoje em dia o uso
de smartphones de forma exagerada
pelas pessoas tem se tornado um vício, bem como uma prisão auto-imposta. Praticar
e estudar Yoga, meditar, se autoconhecer pode contribuir para liberar certas
pessoas desse apego à tecnologia? Ou, ainda assim, esse vício digital pode
continuar se não houver uma boa consciência de seu uso?
TEREZA – Redes sociais
podem e devem ser uma boa ferramenta se soubermos usar! O problema é ter
critérios quanto ao que escolhemos ver e ouvir! Antes dos smartphones havia a TV aberta que invadia nossas casas com uma
programação carregada de interesses e ideologias!
Cabia a nós selecionar o que valia a pena assistir! Com as
redes sociais é a mesma coisa! Se tivermos critérios, podemos desfrutar de
conteúdos maravilhosos! Mas se não tivermos, pode ser uma grande armadilha!
YV – Você como
escritora e leitora assídua absolutamente aprecia livros que são feitos de
papel. No entanto, a mídia digital está aí. Será que os livros feitos de papel
podem ser considerados coisa do século passado ou ainda poderemos contar com
eles por mais tempo?
TEREZA – Tenho certeza
que os livros de papel vão continuar a existir! Sim, adoro ler e gosto do
cheiro do livro e da textura das páginas! Leio artigos na internet, mas não
abro mão de livros e livrarias!
YV – O processo de
criação não para apesar de parecer que as pessoas estão com preguiça de ler
textos longos? A Tereza Freire escritora ainda usa a máquina de escrever para
criar suas obras ou a sua primeira máquina de escrever está em lugar incerto e
não sabido? Como está o seu processo de criação neste momento? Três livros
“must read” que você indica aqui?
TEREZA – Nunca escrevi na máquina! Minha inspiração só aparece com o papel e a caneta! Fui obrigada a escrever minha dissertação de mestrado no computador! Mas antes de digitar, escrevia a mão! Tive dois trabalhos!! Hahaha mas valeu a pena!
Sobre indicação de livros, são tantos!!! Quando fazia teatro,
li a obra completa de Shakespeare! Acho fundamental! Quando fazia História,
passei seis anos sem ler romances, mas li os clássicos do pensamento nacional,
como Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Darci Ribeiro, além dos
historiadores atuais.
Na época que fiz formação de Yoga, li todos os livros do meu
professor de yoga Pedro Kupfer, assim como os livros do Swami Dayananda e David
Frawley. Meu livro de cabeceira é a tradução da prof. Gloria Arieira
da Bhagavad Gita.
Ultimamente, tenho lido muito sobre permacultura e
agroflorestas, assim como estou estudando as PANCS, que são as plantas
alimentícias não convencionais. Temos uma riqueza enorme de alimentos nascendo
espontaneamente em nossos jardins e as desprezamos porque pensamos que são
ervas daninhas....
YV – Alimentação
saudável preferivelmente orgânica é o ideal para todos. No entanto, excetuando
alguns países muito desenvolvidos onde a venda e consumo de produtos orgânicos são
mais difundidos, esses produtos são considerados caros e a indústria em si
ainda persiste no não orgânico e no processado. O que poderia ser feito para
que os produtos orgânicos se tornassem mais acessíveis mesmo havendo a
aplicação exagerada de agrotóxicos que só prejudicam? Nisso tudo, qual o papel
da sustentabilidade?
TEREZA – Acredito que
valorizar o pequeno produtor pode nos livrar dos venenos dos agrotóxicos! Além
disso, acredito que o ato mais revolucionário nos tempos atuais é plantar a
própria comida. Muitas pessoas não tem tempo ou espaço, mas deveriam se juntar a
outras e procurarem fazer cooperativas.
Mas o turning point
deveria ser o empoderamento do pequeno produtor! E o boicote a alimentos
transgênicos! Mas para isso, as pessoas precisam saber o quanto estão sendo
envenenadas.
YV – Se você Tereza
Freire retornasse a ter um programa na TV, como seria? E, quais temas, idéias
conversas e assuntos seriam apresentados?
TEREZA – Gostaria de
fazer um programa sobre mulheres! Principalmente sobre as mulheres com mais de
50 anos. E claro, gostaria de fazer um programa sobre Yoga! Tentar mostrar para
as pessoas que o yoga está em todas as nossas ações e não apenas nos asanas em cima de um tapetinho.
YV – O Yoga é mesmo um
caminho sem volta? Ou, um novo caminho a ser desvendado por muita gente e que você
nem pode imaginar até onde irá?
TEREZA – Yoga é o melhor
caminho sem volta que existe!!! Minha vida mudou completamente desde a primeira
prática em 1999!
YV – Muitos dizem: “Se
eu tivesse que fazer tudo de novo, faria do mesmo jeito; não mudaria nada.” É
isso mesmo? Ou, olhando-se para trás, para o que passou, essa afirmação soa
falsa e algumas mudanças no passado, para muita gente, realmente teriam sido
bem vindas?
TEREZA – Talvez a única
coisa que eu mudaria seria o sofrimento. Sofremos muito por nos sentirmos pequenos,
falíveis e mortais!! Se eu pudesse mudar algo, ia querer ter conhecido o Yoga
antes! Com certeza, teria sofrido muito menos!!!
Caminhos do Yoga
Dirigido pela jornalista Daisy Rocha e pela roteirista Tereza Freire, o filme mostra a viagem de peregrinação de quatro admiradores desta filosofia em busca de um registro fiel e revelador do país, sua cultura e costumes.
Produção independente da Terra Comunicação, co-produção Polo de Imagem e finalização Oka Comunicações.
Video postado na íntegra autorizado pela produtora e diretora Tereza Freire.
http://caminhosdoyoga.blogspot.com.br/
FICHA TÉCNICA
Realização: Terra Comunicação - 2004
Direção: Daisy Rocha e Tereza Freire
Texto e Narração: Tereza Freire
Produção Executiva: Eliana Cobbett
Assistente de Produção: Sameila Brandão
Direção de Fotografia: Vadico Oliveira
Still de Fotografia: Lucília Guimarães
Consultor de Yoga: Pedro Kupfer
Roteirização: Eduardo Ramos
Edição: Rogério Zagallo e George Safranov
Trilha Sonora: João Erbetta
Finalização: Oka Comunicações
Estúdio de Som: SAX
Legendagem: Clone
Col. 52 min.
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