8 de março de 2011

DUAS SENHORAS E O MAHASHIVARATRI



HUMBERTO MENEGHIN


Quando o Sol vai se pondo pouco a pouco por trás da grande estátua branca de Shiva, em um templo a beira do rio Ganges, na Índia e a Lua minguante começa a querer se tornar nova, os devotos já estão mais do que prontos para comemorarem uma noite muito especial, a grande noite de Shiva.



O MahaShivaratri um dos festivais hindus mais esperados foi celebrado, neste ano (2011), na primeira semana de março, durante a 14ª Lua nova. Mas, qual é o significado deste culto à Shiva e por que tantas pessoas se entregam a esta comemoração tão especial?




Leigas no assunto, duas senhoras da melhor idade resolveram comparecer a um arati que se realizou na escola de Yoga onde praticavam. Cristãs, as senhoras logo de início notaram e comentaram todo o cenário da festividade que era composto por uma estátua de Shiva Nataraja, um quadro com a imagem de Shiva onde a cor azul predominava e também um Shiva lingam, negro, adornado com flores, tendo em um dos lados algumas vasilhas e uma jarra com leite.




Uma funcionária do espaço apareceu e entregou uma flor simples a cada uma das senhoras que estavam acomodadas em cadeiras plásticas, enquanto outros curiosos que chegavam, pouco a pouco, iam se sentando em almofadas espalhadas pelo chão da parte externa do espaço que oferecia aulas de Yoga.

Havia chovido durante o dia todo, mas a área onde estavam era protegida por um toldo e pelo chão, além das almofadas, havia vários tapetes com motivos florais. Enquanto conversavam, enfatizando que tudo aquilo era em comemoração ao Deus Shiva e que seria uma noite auspiciosa, conforme haviam ouvido outros comentarem, as senhoras se perguntavam o que seria aquela escultura negra que mais se assemelhava a um falo, exageradamente decorado. E quem seria esse Deus Shiva?




Mais pessoas se acomodavam em volta do altar dedicado ao Senhor Shiva e o falatório começava a dominar o ambiente. Então, alguém do espaço acendeu um incenso e resolveu colocar um CD que começou a tocar um mantra que evidenciava o nome de Shiva repetidamente.

Fazia um pouco de frio e a noite estava escura. Às vinte e quinze, o encarregado do espaço de Yoga apareceu vestindo uma roupa branca e se colocou  ao lado do Shiva Lingam. Quando a música no CD parou, proferiu algumas poucas palavras iniciais sobre o propósito da comemoração e convidou todos os presentes para entoarem o mantra Om Namah Shivaya por pelo menos cento e oito vezes ou mais.




Durante a execução do mantra, uma das senhoras parecia dormir, pois a cabeça pendia para frente por várias vezes. A outra queria voltar para casa, pois aquele aglomerado de vozes entoando o mantra a incomodava; mas, ficou sem jeito de sair em meio daquela comemoração e resolveu permanecer até o fim.

Por cerca de quarenta e cinco minutos ou mais, todos continuaram a entoar aquele mesmo mantra dedicado à Shiva, enquanto o encarregado do espaço ia banhando o lingam com leite, mel e açúcar. Depois, permaneceram em silêncio por talvez quinze minutos e então, quem direcionava a celebração pediu que um a um dos presentes depositassem as flores aos pés do lingam.




Enquanto se aproximavam do altar e deixavam as flores, as mãos se uniam em namastê e um meio sorriso se expressava pela face de quem havia promovido o arati.

Uma professora do espaço com um pequeno garfo feito em plástico começou a entregar a cada um dos presentes um morango, somente o morango pois o pequeno garfo continuava a ser utilizado. Foi quando uma das senhoras quis reter o garfo plástico com o morango é que foi alertada pela professora que só poderia levar o morango (a prasada), pois possuía somente aquele único garfo para espetar os morangos para todos servir.

 Terminada a comemoração todos retornaram para seus lares. Mas, aquelas duas senhoras ainda continuavam a não entender a essência da comemoração que haviam presenciado: Quem é Shiva? O que representa e o que ele tem a ver com o Yoga?




Aquele que destrói ou transforma para construir algo novo é Shiva. Na tradição Hindu, oposto à Shiva, há Brahma, aquele que cria; enquanto que Vishnu é aquele que preserva; sendo que todos esses Deuses fazem parte do Trimurti, as três formas, ou seja, a parte manifesta tripla da suprema divindade.


Mahadeva, Shiva é o Deus Supremo, benevolente e alegre; que, com seu tridente, que simboliza o renunciante, destrói a ignorância que permeia entre os humanos. 

No Yoga, Shiva também está ligado à transformação que ocorre no plano físico, mental e emocional daqueles que se dedicam à prática, ao passo que a serpente que está com ele, além de simbolizar o ego, o ahankara, que para Shiva não é um problema, também representa o seu domínio sobre a morte.

A figura do lingam, bastante evidenciado nos rituais dedicados à Shiva, nada mais é do que o seu símbolo fálico, que por sua vez representa a força vital, o instrumento da criação, a energia masculina presente e responsável pela origem do Universo. E, reverenciar um lingam significa reverenciar Shiva, o que é muito comum na Índia.




Comumente o lingam é representado por uma pedra negra ou uma pedra em formato oval e derramar leite, mel, manteiga clarificada e até mesmo água sobre ele é uma reverência à criação, criação esta que ocorre da união do masculino com o feminino.

Outro elemento muito importante para Shiva é o Fogo. O Fogo que a tudo transforma, o Fogo que permanece o mesmo, onde a água se evapora, onde o alimento se modifica e onde os corpos são queimados e viram cinzas.  E este fogo que é de suma importância para Shiva, também é importante para o praticante de Yoga, pois sabe que somente através da prática e do estudo é que também irá se transformar e transcender os seus próprios limites.




Por sua vez, a Lua crescente representa a renovação, ou seja, os ciclos da Natureza, por que todos passam e onde as emoções e os humores são mais instigados. No entanto, Shiva está além das emoções, pois não se deixa manipular pelos humores, pelas variações e por quaisquer mudanças, uma vez que é consciente e sabe que isto faz parte do mundo manifesto.




No mahashivaratri, um dia e uma noite inteiros são dedicados à Shiva e isto ocorre apenas uma vez a cada ano. Comumente, durante o mês de fevereiro ou março, o mahashivaratri se inicia na noite anterior ao dia de Lua Nova e nos templos de Shiva, na Índia, os devotos se dedicam a orações, meditações, canto de mantras, rituais e práticas espirituais que são unicamente direcionados à Shiva.




Estar em silêncio e jejuar também faz parte desta atividade espiritual e Om namah Shivaya é o mantra que saúda à Shiva. Pela noite, o mahashivaratri prossegue com mais cânticos, ritual ao fogo e prasada, um alimento que é oferecido no templo e distribuído entre todos os presentes.




Além de significar auspiciosidade, Shiva é o asceta, aquele que remove a ignorância e que nos permite desenvolver a clareza mental através do conhecimento. Estando sempre pronto a nos auxiliar, Shiva possibilita que as portas da mente se abram não só para o conhecimento mas também para o caminho espiritual.

E é assim que os yogis e aqueles que se dedicam ao estudo de Vedanta, pouco a pouco, vão eliminando a ignorância, os obstáculos e qualquer ilusão que teime em persistir. Shiva é Ishvara, Maheshvara, o Grande senhor, o Senhor do Universo!

Jaya Shiva!

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